A Lava Jato vista através da teoria dos jogos (Parte I)

A Lava Jato vista através da teoria dos jogos (Parte I)

Não se passa uma semana sem que se fale da operação Lava Jato, seja por um político que foi preso ou um esquema que foi denunciado. Em um país que sempre foi governado pela corrupção, é difícil acreditar que os políticos e empresários que dominam o país não conseguem parar essa máquina. No mundo corporativo, sempre houveram os cartéis, “acordos explícitos ou implícitos entre empresas concorrentes para, principalmente, fixação de preços ou cotas de produção, […] eliminar a concorrência e aumentar os preços produtos, obtendo maiores lucros em prejuízo do bem-estar do consumidor”. E apesar de terem criado leis para proibir tais ações e organizações (no Brasil esse órgão é o CADE) para vigiar essas “uniões”, sabemos que esse tipo de acordo sempre existirá.

A Teoria Dos Jogos e a Lava Jato

A pergunta é, então – se essas uniões ilegais são comuns no meio corporativo, por que não aconteceu o mesmo no meio político, no caso da Lava Jato? E o que podemos aprender dessa resposta para nossa vida do cotidiano?

Temos um artigo sobre Negociação em um Mundo Irracional, clique aqui para ler

Para responder a essa pergunta, vou tentar dar uma explicação através da perspectiva da teoria dos jogos. Desenvolvida em 1944 por John von Neumann na sua obra “Theory of Games And Economic Behavior”, a teoria dos jogos revolucionou o campo da matemática aplicada e da economia. Basicamente, ela tente responder a seguinte pergunta: de que modo devo considerar o comportamento dos outros ao tomar a minha própria decisão? Por exemplo, estou no restaurante com 3 amigos e já decidimos que iremos dividir a conta em 4. Se eu escolher o prato mais caro do cardápio enquanto eles escolher um prato médio, irei gastar menos do que consumi. Mas se todos meus amigos pensam assim, iremos pagar mais do que o nosso bolso permite. Então o que eu deveria fazer? Se você procurar no Wikipedia, você vai ver que tem uma lista de “jogos” com resolução matemática inclusiva.

O dilema

O caso que discutirei aqui é o famoso “Dilema do Prisioneiro”. Dois indivíduos foram presos suspeitos de serem cúmplices em um crime e estão sendo interrogados em separado. À esquerda, está o quadro de matriz das penas se eles se acusarem ou não.

Dilema

A matriz de decisão mostra claramente duas coisas:

  • a pior das situações seria se os dois se acusassem;
  • a melhor das situações seria se os dois ficassem quietos (solução ótima no sentido de Pareto).

Porém, na maioria dos casos, os dois acabam se acusando, ficando com um resultado pior do que podiam obter pela colaboração. A razão é que pela matemática,os dois têm interesses em acusar o outro, e isso chama-se, em teoria dos jogos, de Estratégia Dominante.

Você já leu nosso artigo sobre o seriado Suits?

Veja o quadro abaixo: o prisioneiro 1 pensa, “se eu ficar quieto, o outro tem uma vantagem em me acusar” (1<2), e “se eu o acusar, ele também tem um incentivo em me acusar de volta” (6<10)! O prisioneiro 2 faz o mesmo cálculo, e ambos, sem poder conversar entre si, se denunciam mutuamente. Esse resultado é chamado de Equilíbrio de Nash (teoria que ganhou um Prêmio Nobel de Economia em 1994), a melhor decisão, levando em conta a estratégia dos outros envolvidos.

Dilema

Vamos agora imaginar esses dois se encontrando na prisão depois de terem se delatado. Eles poderiam se dizer: “poxa, a gente deveria ter se unido, assim nós dois iriamos ficar com penas mínimas”. Porém, mesmo podendo conversar entre eles e se unir, a realidade é que os dois iriam se acusar do mesmo jeito. Por que isso acontece? Porque a tentação de ganhar do outro é mais forte. E isso não acontece somente no caso da Lava Jato. Peguem o caso de desarmamento nuclear. Todos os envolvidos concordam que o mundo seria mais pacífico sem a bomba nuclear. Porém, na hora de negociar, cada um dos pais que já a possui quer guardá-la “just in case”, então nenhum dos países se desarma. E esse mesmo raciocínio levou os EUA e a Rússia a uma corrida armamentista, a Guerra Fria, sendo que era o pior resultado para ambas nações. Como explicou o Robert Aumann, Prêmio Nobel de Economia em 2005, foi o armamento que permitiu a paz mundial desde o final da 2a guerra, dando assim razão ao ditado “se quer paz, prepare-se para a guerra”.

O Dilema do prisioneiro ficou celebre porque ele exemplifica de forma simples, o que é a teoria dos jogos na sua essência: um modelo matemático sobre o conflito entre cooperar e competir. Através desse exemplo já respondemos a uma parte da pergunta sobre a dificuldade (ainda bem) dos envolvidos da Lava Jato em se unir para terminar com esse processo.

Na segunda parte, continuarei a explicação e darei outros exemplos da vida do cotidiano sobre essa tensão entre cooperar e competir e como podemos melhorar o nosso pensamento estratégico nas nossas negociações, através da teoria dos jogos.

Esse artigo continua em breve…

 

Anderson Carvalho

Perito em Análise de Credibilidade, especialista em entrevista investigativa e análise de Microexpressões faciais. Coordenador da Pós Graduação em Perícia Forense em Análise de Credibilidade e Inteligência Investigativa. Professor de Entrevista Interrogatório Estratégico e Análise de Credibilidade na Pós-Graduação em Tribunal do Júri. Graduado em Perícia Forense e Investigação Criminal, Pós- Graduando em Boas Práticas de Entrevista Investigativa. Pós-graduando em Ciências Criminais. Professor de Entrevista Investigativa na Formação de Peritos em Análise de Credibilidade na Academia Internacional de Linguagem Corporal. Perito em Expressões Faciais FACS (Facial Action Coding System), METT e SETT pelo renomado Paul Ekman Group. Especialização em Codificação Científica pelo FM-G (Portugal) Coordenador do HEP - Hub de Excelência Pericial. Assistente técnico com dezenas de atuações na área criminal.

Leave A Reply

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *