A Detectação de Mentiras e o uso da Linguagem Corporal na inquirição de testemunhas

A Detectação de Mentiras e o uso da Linguagem Corporal na inquirição de testemunhas

A famigerada Linguagem Corporal e seu uso para detecção de mentiras, tem se tornado um assunto muito difundido nas redes sociais, mas pouco compreendido. Basta correr os olhos no Youtube, que você irá se deparar com milhares de vídeos que se propõem a fazer investigações comportamentais e demonstrar se as pessoas que foram analisadas, mentiram ou não.

 

Livrar-se dos mitos da detecção de mentiras

 

A ascensão do tema é recheada de prós e contras. O que, ocasionalmente, coloca os operadores do direito em dúvidas sobre os meios de utilizá-la.

 

Apesar de existirem muitos céticos sobre o tema, há dezenas de estudos que provam que os benefícios do uso da análise de credibilidade podem favorecer muito dentro do processo investigativo. Tornando o conhecimento acerca do não verbal para detectar mentiras, um caminho sem volta para aqueles que se propõem a percorrê-lo.

 

Quando falamos em detecção de mentiras, precisamos compreender o que é fantasia e o que é real em meio a tantas desinformações existentes. Muitos desses mitos surgem através de experiências pessoais individuais, em uma ocasião aleatória, e é vendida como uma técnica eficaz e comprovada. É necessário separar as experiências pessoais das comprovações científicas.

 

O feeling pode contribuir em algumas situações, mas jamais deve ser visto como uma espécie de sexto sentido, que resolverá todas ou parte das questões em uma análise de credibilidade. Aliás, uma das coisas que mais bato na tecla com meus alunos é: Pegue a intuição e coloque na gaveta. Aqui precisamos ser técnicos.

 

A análise de credibilidade é a verdadeira detecção de mentiras

 

A base da análise de credibilidade, ao contrário do que se imagina, não está em um sinal específico ou em conjunto desses sinais que podem ser observados ou o emprego de protocolos. Mas em seus próprios vieses.

 

Boa parte dos erros durante uma entrevista investigativa, surge através da interpretação equivocada sobre a vítima e o suspeito. A acusação feita em muitos dos casos, gera peso na avaliação daquele que está coletando depoimento, norteando toda uma investigação para um lado que talvez não tenha volta.

 

Se ao fazer uma análise de credibilidade, você tiver predisposição para acreditar que a pessoa está mentindo, todas informações que ela passar durante a entrevista, será automaticamente descredibilizada sem antes averiguada. O mesmo ocorre se você dar a presunção de veracidade. Se tratar de uma falsa acusação, ela pode ser validada pelo entrevistador como credível quando na realidade não é.

 

No processo investigativo, não há espaço para bandeiras ideológicas ou militâncias. Tudo deve ser investigado. Uma acusação verdadeira não pode legitimar uma falsa, o mesmo vale para as falsas acusações, que não podem descredibilizar uma verdadeira. E essa regra deve se estender a todo e qualquer tipo de acusação, caso contrário, os dados podem ser irreparáveis.

 

Podemos usar como exemplo o Caso Evandro, que teve forte repercussão por meio do Podcast Projeto Humanos, e posteriormente se tornou uma série na Globo Play. 

 

Um caso desastroso, onde inocentes foram culpados e os verdadeiros culpados nunca encontrados. Esse caso demonstra o quão falho é o processo investigativo e a análise criteriosa da credibilidade no judiciário. Ainda que tenha ocorrido na década de 90, nos dias atuais, as coisas não ficam tão distantes.

 

Falsas acusações e falta de capacidade para detectar mentiras

 

Apesar de poucos casos ganharem tal notoriedade, esses erros são muito mais comuns do que se pode imaginar. Inocentes pagam por crimes que não cometeram, e pessoas que vivenciaram algum tipo de violência, são tratadas com descaso.

 

Os norteadores comportamentais, seriam de fato, não exclusivos na resolução de tais problemas, mas de grande amparo, uma vez que processos são sobre histórias. Haja vista que se baseando apenas no que dizem as leis, a resposta não está necessariamente na prova da inocência ou da culpa, mas no que ela permite ou não. Em muitos casos, provar que o outro está mentindo, seja a vítima ou o réu, é fundamental principalmente para afastar o juízo de valor impregnado na sociedade.

 

O peso que uma acusação exerce sobre a vida de uma pessoa, perante a sociedade, pode ser irreparável.

 

Para algumas pessoas além da questão caráter, também há a honra.Provar que tal imputação é descabida, é sobre valores íntimos de cada um.

 

Em um dos casos mais recentes que trabalhei, um executivo de uma grande empresa acusado de ter cometido estupro, tinha sua vida pessoal e profissional em dúvida apesar de nunca antes ter cometido nenhum tipo de ilícito. Sua conduta ilibada, foi colocada em dúvidas a partir de sua prisão preventiva. Por intermédio dos familiares, me foi solicitado auxílio para ajudar a provar que a acusação era falsa.

 

Analisando os depoimentos da vítima e das testemunhas na fase do inquérito, pude encontrar elementos que me permitiram abrir questionamentos para que os advogados, céticos até essa altura, pudessem usá-las na oitiva.

 

Ao lado de cada pergunta, eu explicava qual era a intenção e o que se esperava. Em reunião posterior à oitiva, os advogados que antes estavam descrentes do meu trabalho, começaram a perguntar como eu tinha conseguido “prever” as respostas sem conhecer as pessoas, e ao menos ter falado diretamente com elas. A resposta não é tão simples, mas quando você sabe qual é a verdade, fica fácil desmontar uma mentira.

 

Já atuei em casos de falsas acusações, como acusações desacreditadas, ambos motivados por interesses próprios. Casos onde a intenção era apenas prejudicar uma das partes ou se livrar de algum problema que tivesse envolvido. Fosse ex ou a ex companheira, tirar vantagens no divórcio, ou não aceitá-lo. Alguns casos de interesse político e vingança. É um vasto repertório, onde a investigação comportamental exerceu papel de grande eficácia para os clientes.

 

Não importa qual seja a causa, se há uma história, é porque existe um fato. A questão é saber se o que se alega está ligado ao fato ou não. E caso esteja, quem diz a verdade e quem está mentindo? Seriam meias-verdades bem intencionadas? Quem conta a história mais convincente? E o que te garante que a história mais convincente seja a verdadeira? Qual critério você utiliza para chegar a tal conclusão?

 

Um fato é coberto por uma história contada de várias maneiras. As vítimas dirão uma coisa diferente do suspeito que é diferente das testemunhas.

 

Na boca de um mentiroso, até a mais pura verdade parece mentira. 

Anderson Carvalho

Perito em Análise de Credibilidade, especialista em entrevista investigativa e análise de Microexpressões faciais. Coordenador da Pós Graduação em Perícia Forense em Análise de Credibilidade e Inteligência Investigativa. Professor de Entrevista Interrogatório Estratégico e Análise de Credibilidade na Pós-Graduação em Tribunal do Júri. Graduado em Perícia Forense e Investigação Criminal, Pós- Graduando em Boas Práticas de Entrevista Investigativa. Pós-graduando em Ciências Criminais. Professor de Entrevista Investigativa na Formação de Peritos em Análise de Credibilidade na Academia Internacional de Linguagem Corporal. Perito em Expressões Faciais FACS (Facial Action Coding System), METT e SETT pelo renomado Paul Ekman Group. Especialização em Codificação Científica pelo FM-G (Portugal) Coordenador do HEP - Hub de Excelência Pericial. Assistente técnico com dezenas de atuações na área criminal.

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