Como a Ciência da Linguagem Ajuda a Analisar a Credibilidade de Depoimentos

Como a Ciência da Linguagem Ajuda a Analisar a Credibilidade de Depoimentos

A busca pela verdade é um dos pilares da justiça. Em muitos casos, a análise de depoimentos desempenha um papel central na resolução de crimes e na determinação de responsabilidades. A ciência da linguagem, por meio da linguística forense, apresenta-se como uma ferramenta essencial para avaliar a credibilidade de declarações, utilizando abordagens científicas rigorosas que permitem identificar inconsistências, manipulações e sinais de engano.

Neste artigo, exploramos como a ciência da linguagem pode ser utilizada para analisar a credibilidade de depoimentos e apresentamos técnicas consagradas que aumentam a precisão e a eficácia dessas análises.


O Papel da Linguística na Análise de Credibilidade

A linguística forense analisa não apenas o que é dito, mas como é dito. Essa distinção é crucial, pois a escolha de palavras, a estrutura narrativa e até mesmo padrões estilísticos podem fornecer informações valiosas sobre a autenticidade de um depoimento.

A ciência da linguagem se fundamenta em três pilares principais:

  1. Indicadores de engano.
  2. Análise estilométrica.
  3. Aspectos psicológicos da linguagem.

Essas técnicas, apoiadas por pesquisas amplamente reconhecidas, como as de Bella DePaulo, James Pennebaker e John Nerbonne, oferecem um caminho confiável para compreender a veracidade de declarações.


Indicadores de Engano: Compreendendo as Cues to Deception

O estudo de Bella DePaulo et al., Cues to Deception, é uma referência essencial na identificação de sinais linguísticos associados ao engano. Com base em uma extensa análise de mais de 1.300 casos, a pesquisa destaca padrões que frequentemente aparecem em depoimentos enganosos.

Características comuns em relatos enganosos

  • Menor coesão narrativa: Declarações falsas tendem a apresentar lacunas ou desconexões lógicas.
  • Falta de detalhes sensoriais: Pessoas que mentem evitam descrições visuais, auditivas ou táteis para minimizar riscos de contradição.
  • Maior frequência de hesitações: Pausas prolongadas e interrupções no discurso indicam um esforço para formular respostas convincentes.

Esses sinais, aliados a uma análise detalhada, permitem detectar inconsistências que poderiam passar despercebidas.


A Força da Estilometria: Explorando The Secret Life of Pronouns

A estilometria é uma técnica poderosa para analisar o estilo de escrita de uma pessoa, avaliando o uso de palavras funcionais como pronomes, conjunções e artigos. No livro The Secret Life of Pronouns, John Nerbonne demonstra como esses padrões podem revelar informações sobre o autor e suas intenções.

Aplicações práticas da estilometria

  1. Detecção de autoria: Confirma se o autor declarado realmente produziu o texto.
  2. Análise de consistência: Identifica mudanças estilísticas que indicam manipulação.
  3. Identificação de padrões narrativos: Avalia se o estilo de escrita é natural ou fabricado.

Por exemplo, o uso excessivo de pronomes na primeira pessoa (“eu”, “meu”) pode indicar um relato mais subjetivo, enquanto um relato com muitos verbos no condicional (“poderia”, “talvez”) reflete incerteza ou evasão.


Aspectos Psicológicos da Linguagem: LIWC e o Trabalho de Pennebaker

A ferramenta Linguistic Inquiry and Word Count (LIWC), desenvolvida por James Pennebaker, permite uma análise profunda dos aspectos psicológicos por trás de um texto. Essa abordagem classifica palavras em categorias como emoções, cognição e interações sociais.

Principais benefícios do LIWC

  • Identificação de estados emocionais: Ansiedade, medo e confiança são detectados com base na escolha de palavras.
  • Mapeamento de intenções: Termos cognitivos como “decidir” ou “analisar” refletem maior esforço mental.
  • Análise de relações sociais: O uso de termos como “nós” ou “eles” indica a forma como o autor se posiciona em relação aos outros.

Esses elementos tornam o LIWC uma ferramenta indispensável para validar a autenticidade de depoimentos em contextos forenses.


Estudo de Caso: Aplicando a Linguística Forense

Considere um caso onde uma testemunha afirma ter presenciado um crime. No entanto, sua narrativa apresenta os seguintes problemas:

  • Inconsistências narrativas: Eventos fora de ordem lógica ou contraditórios.
  • Mudanças estilísticas: Uso abrupto de termos mais formais em certas partes do depoimento.
  • Falta de emoção: Um relato neutro diante de situações emocionalmente intensas.

Ao aplicar as metodologias de DePaulo, Nerbonne e Pennebaker, seria possível construir um perfil detalhado do depoimento, expondo possíveis tentativas de engano.


Impacto da Linguística Forense no Sistema Judiciário

A linguística forense oferece aos magistrados e profissionais do direito uma ferramenta confiável para avaliar a credibilidade de depoimentos, com benefícios claros:

  1. Prevenção de erros judiciais: Reduz o risco de decisões baseadas em informações enganosas.
  2. Apoio técnico: Relatórios detalhados aumentam a confiança na análise dos fatos.
  3. Busca pela verdade real: Permite uma compreensão mais profunda dos depoimentos apresentados.

Conclusão

A ciência da linguagem é uma aliada indispensável na análise de depoimentos, trazendo objetividade e precisão para o processo judicial. Técnicas como as de Bella DePaulo, John Nerbonne e James Pennebaker demonstram como a aplicação de métodos científicos rigorosos pode revelar a verdade por trás das palavras.

Seja na identificação de padrões de engano, na análise estilométrica ou na compreensão de aspectos psicológicos, a linguística forense contribui para um sistema de justiça mais eficiente e confiável.

Anderson Carvalho

Perito em Análise de Credibilidade, especialista em entrevista investigativa e análise de Microexpressões faciais. Coordenador da Pós Graduação em Perícia Forense em Análise de Credibilidade e Inteligência Investigativa. Professor de Entrevista Interrogatório Estratégico e Análise de Credibilidade na Pós-Graduação em Tribunal do Júri. Graduado em Perícia Forense e Investigação Criminal, Pós- Graduando em Boas Práticas de Entrevista Investigativa. Pós-graduando em Ciências Criminais. Professor de Entrevista Investigativa na Formação de Peritos em Análise de Credibilidade na Academia Internacional de Linguagem Corporal. Perito em Expressões Faciais FACS (Facial Action Coding System), METT e SETT pelo renomado Paul Ekman Group. Especialização em Codificação Científica pelo FM-G (Portugal) Coordenador do HEP - Hub de Excelência Pericial. Assistente técnico com dezenas de atuações na área criminal.

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